Em Meu Sangue – Por Pascal Dupuis ~ Pittsburgh Penguins Brasil

Pascal Dupuis é um ídolo para todo torcedor do Pittsburgh Penguins, não apenas pelo grande jogador que é, mas também pela história de vida e superação que tem.

Fora da temporada 2014-15, Dupuis foi diagnosticado com um coágulo de sangue no pulmão dia 17 de novembro de 2014 após sentir um desconforto em seu peito durante os treinos. Ele precisou ficar fora da temporada para realizar um tratamento com diluentes de sangue. Foi o segundo incidente do tipo com Pascal.

Com 35 anos, ele já foi diagnosticado com um coágulo de sangue em janeiro de 2014, logo depois de sofrer uma ruptura de ligamentos no joelho retornando à equipe somente em outubro. Voltou com muita garra chegando a marcar seis gols e 11 pontos em 16 jogos nesta temporada.

O jogador escreveu um texto emocionante para o site The Players Tribune, onde conta tudo que está passando. O texto foi um dos mais lidos e comentados este mês e o Pittsburgh Penguins Brasil traduz ele para todo fã deste grande atleta. (Desculpem alguns erros de tradução).

Em Meu Sangue

Por Pascal Dupuis

Eu tinha colocado uma cueca extra no bolso do meu casaco antes de dirigir até o hospital. Esse foi o momento em que eu finalmente parei de mentir para mim mesmo. Deveríamos estar voando para Montreal mais tarde naquele dia. Na NHL, você sempre usa um terno e gravata quando viaja. Tenho a certeza que estava usando um agasalho e flip-flops (uma espécie de sandália), porque no meu coração eu sabia que não estava indo viajar. Eu sabia que estava indo para ficar um tempo.

Meus companheiros de equipe não sabiam que havia algo errado. Minha esposa nem sabia.

Lembro que estava sentado no estacionamento do hospital e pensando, tudo bem. É isso. Quando você entrar neste prédio e sua carreira pode acabar.

Deixe-me voltar um pouco. Em dezembro de 2013, dois dias antes do Natal, eu sofri um tipo de lesão de hóquei muito temida. Estávamos jogando em Ottawa, e meu linemate (companheiro de linha) Sidney Crosby levou um empurrão e veio voando em direção à minha perna direita. Quando se está de patins, não há lugar para o seu joelho se mover. Ele está preso. Rasguei minha ACL, MCL e PCL – basicamente desloquei todo o meu joelho. Ainda assim, eu não ia deixa-los me colocar em uma maca. Meu pai tinha uma regra sobre isso quando eu era criança: a não ser que ambas as suas pernas estejam quebradas, você nunca fica no chão. Você patina para fora na boa. Então foi isso que fiz.

Uma semana depois eu estava em casa, em Pittsburgh, à espera de uma cirurgia e estava enlouquecendo. Eu não posso ficar parado por um segundo, então fui para o rink para suar um pouco na bicicleta. Comecei então a ter essa dor intensa no peito. Imediatamente, minha mente lembrou do momento da lesão e lembro que o patim de Sid bateu no meu peito. Pensei ter quebrado uma costela ou rasgado alguma cartilagem. Não é grande coisa. Eu já tinha jogado com coisas piores antes. Terminei o treino.

Algumas noites depois, estava na cama quando começaram os ataques de tosse. Minha esposa estava assustada após algumas noites como essa. Ela ficava me dizendo para fazer um check-up, mas eu dizia, “Babe, é apenas um resfriado”. Eu não tinha ideia de que algo muito ruim estava acontecendo dentro de mim.

Finalmente fiquei muito mal e meu quiroprático me visitou em casa. Eu lhe disse que tinha arrebentado minhas costelas. Ele me colocou em cima da mesa. “Duper, algo está errado aqui”, disse ele depois de uma hora. “Isso não está relacionado a nada estrutural”. Ele chamou meu treinador imediatamente, que teve a inteligência de ligar para o meu médico. Meu médico ligou de volta.

“Você tem que ir para o hospital para alguns testes agora mesmo”, disse ele.

Eu disse, “O...K? Eu já joguei com costelas quebradas antes, doc. O que está acontecendo?"

“Diga para sua esposa levá-lo”, ele disse. “Você não pode dirigir. Vou encontrá-lo na Emergência”.

Estas são palavras que você não está preparado para ouvir.

Tudo isso aconteceu no dia 2 de janeiro. Eu tinha família em Quebec, que ficava em nossa casa nos feriados. Meus quatro filhos foram todos para a casa em férias. Estou de pé na minha cozinha com as crianças correndo ao redor da casa. Eu não tentei assustar todo mundo dizendo: “Hey galera, vamos todos para o carro levar o papai para o hospital!”.

Eu entrei no carro e dirigi.

Quando cheguei na Emergência.. wow. Havia um grupo de médicos que estavam esperando por mim, com um quarto inteiro preparado e pronto. Assim que me sentei, as agulhas saíram e as intravenosas estavam em meu braço. Foi quando eu ouvi pela primeira vez “coágulo de sangue”. Eles me levaram para uma tomografia computadorizada. Eu saí do grande tudo branco e sentei ao lado da máquina esperando ouvir o meu destino, pensando... isso é real?

Trouxeram os resultados e apontaram para o meu pulmão.

"Aqui está."

O médico explicou que eu tinha uma embolia pulmonar. Um dos ramos do meu pulmão estava entupido. O coágulo provavelmente começou na minha panturrilha quando minha perna foi imobilizada no voo de volta de Ottawa. Meu pulmão não estava recebendo sangue e estava morrendo lentamente. As palavras passavam rapidamente por mim. Fui pegar minhas roupas quando o médico explicou que eu tinha que ficar no hospital por alguns dias.

Ele disse: “Duper, escute, você basicamente teve um derrame no seu pulmão. É sério. Se isso fosse no seu coração ou cérebro, poderia ter sido fatal”.

Eu fiz uma cara de sério, mas por dentro eu só pensava quando eu poderia jogar hóquei novamente? Eu tive que me tratar com diluentes de sangue, isso significou que a minha cirurgia no joelho seria adiada. Eu sei que isso parece loucura, mas eu estava decepcionado. É assim que estamos condicionados a pensar como um jogador de hóquei. Para me tornar um jogador sem contrato e sem ser draftado como eu fiz, eu precisei atravessar paredes. Isso não é algo inspirador. Você realmente tem que ser capaz de bloquear uma imensa quantidade de dor e que pode ter consequências.

Usei diluentes de sangue no período de janeiro a julho, enquanto eu estava na reabilitação de meu joelho. Eu não pisei no gelo durante seis meses. Não contei a meus companheiros de equipe sobre o coágulo de sangue. Eu não contei a imprensa. Só a minha família sabia. Em julho, meu sangue estava muito bem. Não havia formação de coágulos nas pernas. Meus pulmões estavam limpos. Voltei para o negócio.

No primeiro dia do Acampamento de Treino, eles me entregaram uma camisa vermelha para não ter contato físico. Isso me matou. Eu tinha treinado como um louco para entrar em minha melhor forma. Meu condicionamento era ridículo. Durante todo o verão, as pessoas estavam se perguntando se esse cara de 34 anos de idade seria capaz de conseguir sua velocidade novamente. Ele ainda pode jogar na primeira linha depois de uma cirurgia no joelho? Será que ele pode jogar com Crosby? Eles nem sabiam com o que mais eu estava lidando. Os treinadores foram incríveis na maneira como cuidaram de mim. Mas tudo o que eu queria fazer era estar lá fora para o primeiro jogo na primeira linha junto a Sid e Kuny. Isso não aconteceu. Eles mantiveram meus minutos em cheque durante o primeiro mês da temporada.

O jogo 11 foi em Minnesota. Depois do jogo, fui jantar com alguns dos rapazes e tinha algumas bebidas. No dia seguinte, acordamos e voamos para Winnipeg e fomos direto para o treino. Eu estou de pé no centro do gelo quando sinto algo em meu corpo como um raio. Realmente me fez ofegar. Dor no peito instantânea. Eu pensei: Será que estou tendo um ataque cardíaco agora?

A primeira vez, a dor foi gradual. Como uma dor. Desta vez, eu senti algo acontecendo fisicamente pelo meu corpo. Me atingiu como um soco no peito. Instantaneamente, eu fiz as contas. Fala sério. De novo não.

Eu estava encurvado e os caras estavam olhando para mim. Eu menti e disse que tive uma distensão muscular quando chutei o puck. Pode me chamar de estúpido, mas eu não disse nada a ninguém sobre isso. Não para meus companheiros de equipe. Nem meus treinadores. Não para minha esposa. O jogador de hóquei em mim estava dizendo que não era nada. Ele estava pensando, Você lutou por oito meses de reabilitação em seu joelho. Todo mundo estava o questionando. Você tem 35 anos. Isso é tudo.

Terminei o treino.

Não recomendo isso para ninguém, mas a verdade é que joguei mais cinco jogos na NHL sem ⅓ de um pulmão. Meu joelho estava realmente dolorido, então eu apelei para alguns anti-inflamatórios, que ajudaram um pouco com a dor. Meu treinamento foi tão bom que o coágulo de sangue não afetou meu condicionamento. Eu joguei o meu melhor jogo do ano em Toronto, alguns dias depois que senti o coágulo. Vencemos por 2-1, e eu marquei dois gols. Foi o meu primeiro jogo de volta na primeira linha com Sid e Kuny. Essa é a linha que eu adoro jogar. Eu disse “Estou de volta, baby!”.

Eu estava mentindo para mim mesmo. Nós estávamos na estrada. Eu estava longe da minha família, junto aos caras fazendo o que amo. Foi fácil para a negação. Em seguida, a viagem terminou e voltamos para Pittsburgh. Quando entrei na porta e vi minha esposa e meus filhos de novo. É isso.

Eu fui até o treinador de equipe, Chris Stewart. “Hey Stewie, eu acho que talvez senti alguma coisa”, eu disse. Eu poderia fazer alguns exames antes de ir para Montreal.

Ele e os médicos me disseram que se eu não fosse fazer os exames eu não iria viajar. Nossa equipe técnica e os médicos tem sido incríveis. O fato de eu ter jogado cinco jogos não foi culpa deles. Eu guardei a dor para mim. Assim que lhes dei uma pequena dica que algo estava errado, Dr. Vyas e a equipe ficaram em cima de mim.

Então peguei meu terno de viagem, algumas roupas íntimas extras e levei para o hospital. Tão louco como foi, eu ainda estava meio que pensando: Bem, talvez o coágulo seja pequeno e eles não vão vê-lo.

Entrei no grande tudo branco novamente. Os médicos vieram a mim com os resultados da tomografia computadorizada novamente. Apontaram para o pulmão novamente.

"Aqui está."

Fiquei devastado. Liguei para minha esposa e disse: “Querida, eu acho que estou acabado.”

Minha esposa tem dado um apoio incrível, mas ela se preocupa. Quando eu disse a ela toda a história sobre eu ter sentido o coágulo cinco jogos antes, ela tem muito medo de eu voltar. Ela pensa. “O que o impede de não dizer nada de novo?”. É uma coisa difícil de responder.

É fácil dizer que a família vem em primeiro lugar. Eu absolutamente amo meus filhos e minha esposa. Mas a mentalidade de um jogador de hóquei profissional é que você nunca admite que você é humano. Nunca admite a dor, especialmente se é dor que ninguém pode ver.

O Penguins foi incrível sobre como me manter em torno da equipe, enquanto eu lido com este segundo coágulo de sangue. Pode ser muito ruim ser afastado do jogo. Com a minha personalidade, eu preciso estar em torno dos caras. Os treinadores pediram que eu esteja em cada reunião da equipe, e eu venho ajudado bastante. Eu viajo com a equipe em voos com menos de duas horas, e ofereço qualquer coisa da caixa de imprensa.

Até lá, é um jogo 2D. Tudo parece tão fácil. Há muito espaço. Mas no gelo é um jogo em 3D. Estou aprendendo rapidamente as limitações da minha capacidade de treinar:

“Ei, por que você não passou por esse lado da pista?"

“Bem, Duper, havia um cara bem na minha frente tocando o Stick nas minhas costelas”.

Alguns dos caras começaram a me chamar de treinador Duper. Eu ri, mas estou quase colocando meu terninho enquanto eles vestem o equipamento.

Eu tenho 35. Sei que não tenho muito tempo. Mas vou sair dessa caixa de imprensa que parece uma prisão. Eu não me importo se demorar seis meses ou um ano ou dois anos. Vou ficar saudável. Vou jogar na Liga Nacional de Hóquei novamente.